Minha viagem de bicicleta pela Tunísia teve tudo que uma aventura pode oferecer! Lugares de tirar o fôlego, diversão, encontros inesquecíveis, amizade, imprevistos e improvisos e um verdadeiro mergulho na gastronomia e cultura local.

Sra. Zribi, nossa querida anfitriã em Mareth. Tunísia.
Entre a Ilha de Djerba e Tunes, foram 700 km em 9 dias de sol forte, hora com vento contra hora com ele nos ajudando, sempre em um terreno relativamente plano. Pegamos um pouco de subidas apenas no último dia. Adotamos a estratégia de acordar cedo e fazer uma longa parada no horário mais quente do dia, para voltar a pedalar no fim de tarde. Mas na maioria dos dias, nos atrasamos um pouco e pedalamos na boca da noite, exigindo ascender os faróis da bicicleta. As estradas na Tunísia não são lá tão seguras. Geralmente são estreitas, com acostamento irregular, nos obrigando a pedalar na margem da estrada. Por outro lado, o trânsito é moderado ou baixo.
A estrutura é boa. Existe muitas vilas ao longo do caminho e não existe a necessidade de carregar muitos suprimentos. Como estava com Samir, não tivemos problemas de comunicação, mas vale lembrar que o segundo idioma na Tunísia é o francês. No interior, é raro encontrar alguém que fale inglês, assim como banheiro com papel higiênico. Um caninho com água e as mãos fazem as vezes do papel.
Samir foi um parceiro incrível! Cuidadoso e sempre disposto a mostrar o que seu povo e país tem de melhor, meu novo amigo de 53 anos, que faz aniversário no mesmo dia que eu, não poupou esforços para me colocar em contato direto com o povo local e as principais atrações turísticas do nosso roteiro. Me mostrou coisas que passariam despercebidas se eu estivesse sozinho e teve muita paciência em sanar toda a minha curiosidade, já que seu inglês é limitado. Pude perceber o quanto ele é querido pelos seus amigos que nos receberam em suas casas. Notei sua preocupação com os animais, crianças e o meio ambiente. Religioso, sempre faz 5 orações por dia.

Samir em uma das 5 orações que faz por dia. Tunísia.

Família do Sr. Ali. Mareth. Tunísia.

Recebendo o carinho da Sra. Zibri. Mareth. Tunísia.

Delicioso jantar na casa da família Amorri que nos recebeu em Gabés. Tunísia.
Nas paradas, Samir se apresentava dizendo de onde vínhamos de bike, e falava um pouco sobre mim, sensibilizando e ganhando a simpatia dos locais, que muitas vezes nos ajudaram inesperadamente. Um lugar para passar a noite, uma água bem gelada, uma fruta, pão, cafezinho, ou simplesmente uma pose para foto! Um dia, já escurecendo, Samir pediu permissão para acampar ao dono de um café, bem ao lado da estrada. O dono sem cerimônias, permitiu na hora! Aí, papo vai e papo vem, depois de meia hora, além da permissão de cozinhar, o dono ofereceu o interior do bar para passarmos a noite. Samir é aquele cara que chega de mansinho e vai conquistando todo mundo! Lembra uma pessoa muito querida que eu chamo de pai.

Samir e o Sr. Mohammed, dono do café em Skhira. Tunísia.

Samir fazendo amizade em uma de nossas paradas. Tunísia.

Samir fazendo mais amigos… Tunísia.
Teve um dia, que estava calor pacas, e não achávamos uma sombra sequer para esfrias os miolos. Avistamos uma mesquita! Bastou ele explicar ao Imame (pregador da mesquita) quem éramos e o que estávamos fazendo, que fomos convidados a tomar banho e descansar na refrescante atmosfera do interior da mesquita. Fato que não é comum por aqui! Em geral, só os muçulmanos podem entrar nas mesquitas.

Eu e Samir com o Imame e as crianças em frente a mesquita em que descansamos. Tunísia.
Dormimos dentro de casa apenas uma vez, com a família Amorri. Acampamos na praia e jardins, dormimos na beira de estrada, construções inacabadas, dentro de um bar e quintal de locais. A temperatura de noite é super agradável, e com a certeza de que nunca chove nesta época do ano, minha rede ganhou preferência.

Levantando acampamento em El Jem. Tunísia.

Acampamento na praia em Hammamet. Tunísia.

Em Rtbia, dormimos no quintal de locais. Tunísia.
De todos os pontos turísticos que vi, o que mais impressionou foi o Anfiteatro Romano de El Jem. Construído no século III (230 a 238 d. C.) por Gordian, com capacidade para 35 mil espectadores, foi declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1979. O anfiteatro tem a fama de ser o segundo maior e o mais bem conservado do mundo.

Anfiteatro Romano em El Jem, Tunísia

Anfiteatro Romano em El Jem, Tunísia.

Anfiteatro Romano em El Jem, Tunísia.

Anfiteatro Romano em El Jem, Tunísia.

Anfiteatro Romano em El Jem,Tunísia.

Anfiteatro Romano em El Jem, Tunísia.

Gladiador no Anfiteatro Romano em El Jem, Tunísia.
A surpresa negativa da nossa viagem foi em relação ao pneu traseiro da bicicleta. Quando ele murchou pela primeira vez, não reparei que o problema era causado pela fita protetora que fica entre o pneu e a câmara. Percebi que a câmara de ar estava rachada, e não furada. Associei o fato a sua idade, já que ultrapassava os 30.000 km rodado. Só percebi na segunda vez que o pneu murchou! E aí dei azar, pois as minhas duas câmaras reservas estavam com problemas. A nova, que nunca havia usado, apresentou problema na válvula, e a outra, já remendada, vazou no remendo. O resultado disso foi muita encheção de saco e três trocas em 24 horas.

Imprevisto de viagem… Ehhh laiá!!! 3 reparos em 24h…. Tunísia.
A forte influência da colonização francesa deixou heranças na arquitetura e na língua falada. No entanto, sua gastronomia rústica, provém dos Magrebinos, ou seja, de países do norte da África, como Marrocos, Argélia e Líbia. O cuscuz é muito apreciado, sempre servido com verduras, peixes, frutos do mar, frango, carneiro ou boi, com um molho de tomates e especiarias.

Delicioso cuscuz com carne de cordeiro na casa do Sr. Ali. Mareth, Tunísia.
Também encontrei uma salada típica com cebola, tomate, pimentões verdes temperada com limão e azeite. A gastronomia italiana marca presença com os internacionais espaguetes e lasanhas. Todo restaurante serve espaguete com molho de tomates e Harissa, uma deliciosa pasta de pimenta piripiri ardente e espessa, frescas ou defumadas, com aparência do nosso extrato de tomates. Também é servida como entrada com azeite e em pequenas porções em quase todos os pratos.

Fábrica de Harissa, típico condimento local. Tunísia.

Senhoras trabalhadoras na fábrica de Harissa. Tunísia.

Samir com as fieiras de pimentas defumadas na fábrica de Harissa. Tunísia.

Aprendendo a colocar as pimentas nas fieiras para serem defumadas na fábrica de Harissa. Tunísia.
Outra salada muito comum por aqui é Mechouia, com pimentões e berinjelas grelhadas nas versões levemente e absurdamente picantes. É o “primeiro prato” mais comum, pelo menos por onde passei.

Mechouia – Salada típica da Tunísia.

Típica venda de especiarias. Tunísia.
Aliás, tudo é muito temperado e as especiarias levam destaque em tudo, principalmente o cominho, coentro e o cúrcuma. O cravo, a pimenta da Jamaica, canela, gengibre (geralmente em pó) e a pimenta caiena também são usadas em abundância. Na verdade o que rola é um “garam masala” (mistura de especiarias moídas indiana) que aqui tem características parecidas e leva o nome de “ras ranut”. A quantidade de ingredientes na confecção do “ras ranut” varia de família para família e por isso é quase impossível comer dois cuscuz iguais, por exemplo.
O azeite, as azeitonas, as tâmaras e as frutas frescas como uvas, melões, melancias, figos e pêssegos completaram as nossas refeições. A novidade em relação as frutas foi a fruta do cactos, que são abundantes nessa época do ano. São levemente adocicadas e cheia de sementes… assim como as goiabas, só que diferentes… kkkk. Tem um gosto suave, lembram o perfume de flor.
Samir com a fruta do cactos já descascadas.

Sempre rolou uma paradinha para as frutas. Tunísia
Como estávamos na maioria do tempo no litoral, demos preferência aos pescados, hora cozinhando, hora comendo em pequenos restaurantes.

Rolou peixes e legumes grelhados em dia de acampamento. Tunísia.

Cabeça de peixe ensopado. Iguaria típica da Ilha de Djerba. Tunísia.

Dourada grelhada. Tunísia.
Também é muito comum sentir o cheiro dos pimentões que vem dos fogões dos locais. Eles são geralmente grelhados e estão em todas as refeições nesta época do ano. O churrasco de cordeiro também é muito apreciado. O detalhe que chama atenção são os animais pendurados em frente aos restaurantes. Eles são destrinchados na hora de ir para o fogo. Carne mal passada por aqui não rola! Nem precisa falar o porquê, não é mesmo!

Pimentões grelhados em casa de locais. Tunísia.

Churrasqueiro orgulhosos em frente a um típico restaurante de beira de estrada na Tunísia.
Em Tunes, tiramos a tradicional foto de chegada no marco zero da cidade, onde fomos acolhidos pelos amigos de Samir. Seif e Mannoubi, dois jovens aventureiros geólogos, nos providenciaram acomodação, lugar para eu guardar a bike enquanto espero o dia do meu embarque para a Itália e organizaram um mini apresentação, com meia dúzia de amigos, onde pude mostrar um pouco da minha viagem em um café no centro de Tunes.

Minha viagem de bike com Samir chegou ao fim! Torre do relógio em Tunes. Tunísia.

Os amigos Mannoubi (na direção) e Seif, que nos ajudaram em tudo que precisamos em Tunes. Tunísia.
E depois da apresentação, levei um grande susto! Nos despedimos dos amigos e seguimos pedalando para o albergue, cerca de 10 km do centro da cidade. Mais ou menos na metade do caminho, notei que havia esquecido a minha mochila com o computador, gps e outras coisitas mais! Rapaz, que desespero! Partes das minhas fotos sem backups!!!! O prejuízo que teria para repor os perdidos… Voltei rasgando para o café… que já estava fechado! Samir chegou alguns minutos depois enquanto eu tentava explicar para o segurança do hotel ao lado o que havia rolado… O cara com um puta pouco caso… me dando as costa e sem a menor vontade de ajudar. Samir falou com um guarda que pediu para irmos a delegacia fazer uma ocorrência… Não vai rolar!!! Cara, passou apenas 20 minutos… precisamos achar o segurança que havia nos pedido para deixar o estabelecimento. Só nós estávamos no bar. As luzes apagadas… dificilmente alguém conseguiria avistar a bolsa preta do lado de fora. As coisas começaram a mudar quando mais uma vez a minha história de estar viajando o mundo de bike, com todas as fotos e registros no computador, sensibilizou o chefe dos policiais. Ele começou a disparar ordens e desapareceu por 2 minutos. Voltou com o fone do segurança do café, o mesmo que havia pedido para sairmos. Bingo!!!! O cara guardou a mochila!!! Não me contive de felicidade e dei um baita abraço no cara! Que alívio!!! Nem me incomodei em morrer com uma grana para recompensar o carinha!!! Era minhas coisas de volta! Mais que o material, que poderia ser restabelecido, o prejuízo emocional certamente me derrubaria por vários dias…
O segurança do café com a minha mochila e o policial amigo entre eu e Samir, no bairro Medina em Tunes. Tunísia.
Minha viagem para Itália é somente no dia 8, pois não encontrei passagem antes. Com uma semana de folga, aceitei o convite do incrível amigo Samir e retornei a Djerba para descansar e poder planejar a minha próxima perna da viagem.
Queria deixar registrado aqui, todo o meu agradecimento a Samir, sua esposa Latifa e seu filho Hakim, que desde o primeiro momento que nos encontramos, não pouparam esforços para me fazer sentir em casa, providenciando tudo aquilo que precisei e mais um pouco! Samir é mais um amigo que fiz para vida toda! Vou ficar muito contente se um dia tiver a oportunidade de retribuir todo o carinho que recebi! Muito obrigado Samir, Latifa e Hakim… espero vocês no Brasil!